Ciência Educacional em Rede
Da marcação ao domínio
Uma entrevista com Prof.’in Dr. Ulrike Buchmann
Orientação Temática e Exemplarismo
Olá a todos, gostaria hoje de abordar um tema sobre o qual todos vocês certamente já pensaram em algum momento: o grafite.
O grafite consiste em letras que são frequentemente encontradas em paredes e muros de propriedades privadas e públicas. Cada um de nós provavelmente tem sua opinião sobre o grafite: desde aqueles que o veem como dano material até aqueles que querem preservá-lo como obras de arte.
Essas diferentes percepções de um mesmo objeto podem levar a controvérsias sociais ou mesmo exigir esclarecimento judicial. Por exemplo, há alguns anos, a prefeitura de São Paulo, Brasil, decidiu pintar todas suas áreas públicas de um cinza uniforme, legitimando tal ato como uma “ação de limpeza” e provocando a reação de muitos de seus moradores– seja aprovação, rejeição, ou incompreensão.
O grafite e a arte de rua estão intimamente interligados pois ambos são considerados formas de arte não comerciais dentro do espaço público, usadas para a comunicação com outro grupos de pessoas. Por exemplo, um artista de rua britânico — que se tornou conhecido em todo o mundo nos últimos anos e atua através do pseudônimo “Banksy” — produz obras que são vendidas em leilões por vários milhões de euros. Enquanto recortes de imagens predominam na arte de rua, no grafite prevalecem a escrita ou pintura elaboradas do próprio nome do artista (cf. Wikipedia: Street Art, Banksy).
De acordo com um projeto de pesquisa na cidade de Siegen sobre alfabetização e educação básica de jovens adultos, as chamadas tags — isto é, as assinaturas dos artistas do grafite, frequentemente acompanhadas por símbolos ou formas — desempenham um papel fundamental, já que pesquisadores a identificaram como um acesso inovador ao grupo-alvo e ao conteúdo que faz sentido para o grupo-alvo, legitimado dentro do contexto do conhecimento tradicional. Hoje irei discutir com a Dra. Ulrike Buchmann, Professora de Ciências da Educação com foco em Educação Profissional e Empresarial da Universidade de Siegen, como é possível combinar inovação e tradição, qual relevância a percepção e legitimação de conteúdos potenciais para a formação de sujeitos tem para profissionais de pedagogia e a razão pela qual currículos tão significativos são indispensáveis para uma sociedade pós-moderna.
Bem-vinda, Dra. Buchmann. Em primeiro lugar, obrigado por dedicar um pouco de seu tempo para conversar conosco e com nossos ouvintes sobre um de seus projetos de pesquisa e seus resultados.
Buchmann:
Bom dia. Estou feliz por estar aqui hoje
Breuer:
Queremos falar hoje de um de seus projetos de pesquisas, realizado entre 2008 e 2010 e financiado pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa alemão com cerca de meio milhão de euros. É considerado um dos vários subprojetos do projeto colaborativo federal alemão PAGES e visa minimizar o potencial de risco para um número crescente de jovens durante sua transição para uma relação de aprendizagem e/ou emprego. Que tipo de tarefas societais a senhora e seu grupo de pesquisa analisaram e o que caracteriza sua pesquisa?
Buchmann:
Muitas vezes, os jovens (com menos de 25 anos de idade) carecem da educação e alfabetização que deveriam ter adquirido na educação básica. Pelo menos 20% dos nascidos num mesmo ano saem do sistema escolar sem terminá-lo ou com uma formação longe do ideal, sendo posteriormente avaliados por meio de vários projetos difíceis de gerenciar e, por fim, tendo oportunidades de formação ou de emprego muito limitadas. As instituições educacionais não alcançam emocional, social ou cognitivamente essa população cada vez maior da geração mais jovem. Aqui entra o projeto em Siegen, colocando os jovens e seus problemas motivacionais em primeiro plano, em vez de seus déficits em habilidades, como se costuma fazer.
Nosso grupo de pesquisa entende a alfabetização como uma oportunidade de participação cultural dentro do Código Social alemão. Essa compreensão abrangente da alfabetização impacta diretamente a concepção de nosso projeto de pesquisa: ele não pode apenas dar respostas para a alfabetização funcional nem tratar apenas da aquisição de técnicas, habilidades e conhecimentos individuais. Em vez disso, trata-se de jovens que entendem o significado dos processos de aprendizagem assim como sua importância para seu próprio desenvolvimento. Por essa razão, no âmbito do projeto, desenvolvemos e testamos esse tipo de conteúdo para processos educativos, articulando-o com os interesses, experiências e ideias dos jovens adultos; que podem incluir projetos midiáticos, teatros de dança, exposições ou projetos especializados e específicos a uma região em diferentes domínios.
Breuer:
Se entendi bem, ao entenderem que a alfabetização funcional e o foco em técnicas, habilidades e conhecimentos individuais não são suficientes para processos de aprendizagem significativos e formação de sujeitos, vocês buscaram conscientemente abordagens e representações alternativas para adolescentes e jovens adultos? Vocês se familiarizaram com o conceito de Tagging?
Buchmann:
Para responder a sua pergunta, deixe-me falar primeiro sobre condições gerais e pré-requisitos. O projeto em Siegen foi incorporado a uma rede de pesquisa federal que assumiu o “estudo” dos participantes educacionais em cursos de alfabetização por meio da VHS (Volkshochschule), a escola para jovens adultos . No entanto, tornou-se rapidamente evidente que o grupo de jovens abaixo dos 25 anos não pertenciam (ou o faziam apenas marginalmente) ao grupo alvo da escola. Os indivíduos começavam a participar dos cursos de alfabetização mas os largavam depois de apenas duas ou três sessões (sob todos os tipos de pretextos). Para garantir a operação do subprojeto, foi necessário, portanto, buscar estratégias alternativas de recrutamento.
Além disso, o projeto foi planejado em conjunto com o distrito de Meschenich, na Colônia. Devido à reestruturação de interesses na rede de projetos de Colônia em maio e junho de 2008, o subprojeto mudou-se para o distrito setentrional de Chorweiler. Isso não só prolongou a fase de recrutamento como também a tornou mais difícil. Acima de tudo, abordar o grupo-alvo jovem provou ser muito desafiador. Em retrospecto, essa dificuldade também foi produtiva do ponto de vista científico-educacional porque primeiro tivemos que desenvolver uma nova abordagem para então testá-la.
Nossa pesquisa baseia-se na tese de que o risco de analfabetismo entre aqueles com até 25 anos de idade pode ser minimizado por meio de uma concepção curricular que considere a mediação entre as condições de vida e as exigências sistêmicas. Essas condições de vida incluem, acima de tudo, uma constituição específica do sujeito.
Tendo isso em consideração, para nós, o objetivo da alfabetização concretizou-se em quatro tarefas:
- Desenvolvimento do espaço social em termos de condições sistêmicas (estrutura populacional, arquitetura, conexões de transporte, estrutura de empresas e locais de trabalho, instituições de ensino, cuidados de saúde, instalações culturais e de lazer etc.). Chamamos essa abordagem de análise do espaço social.
- Pesquisa do acesso a sujeitos adolescentes no espaço social (ou espaço social de divulgação e trabalho de campo), ou seja, coletamos e analisamos a estrutura de oferta para a público-alvo no local.
- Coleta das condições concretas de vida (necessidades, relacionamentos, envolvimento institucional, status sociocultural etc.) como pré-requisito para a construção do currículo. Para esta pesquisa, escolhemos um cenário que combina filmagens culturais e entrevistas específicas ao contexto; ambas as abordagens metodológicas da pesquisa dizem respeito à pesquisa de campo etnográfica.
- Só então desenvolvemos e testamos os módulos curriculares apropriados.
A documentação fotográfica e os relatórios escritos sobre as impressões em campo constituem o resultado formal dessas atividades. No entanto, o material configura, por um lado, a documentação dos processos de apropriação do espaço social pelos jovens e, por outro, mais um método em constante desenvolvimento para a melhoria do público-alvo. O “estar-presente” físico na sala de aula foi conscientemente distinguido dos discursos que as instituições de ensino tradicionalmente praticam — incluindo a presença na internet, por exemplo, ou a distribuição de material publicitário clássico. De acordo com nossos achados, esse material escrito midiatizado e voltado para “transações comerciais normais”, concebido no espírito da cultura da linguagem escrita, não corresponde aos hábitos de percepção e recepção do grupo de jovens abaixo de 25 anos de idade, que tendem a ignorá-los.
Isso também pode ser explicado pelo baixo índice de indivíduos desse grupo que participam de cursos escolares para jovens adultos. No entanto, não queremos tirar conclusões representativas sobre nossa pequena base de participantes, mas podemos argumentar que a literatura de alfabetização aponta que este grupo geralmente experiencia uma vergonha relacionada à admissão pública — reforçando nossa suposição.
Para tanto, primeiro realizamos uma documentação fotográfica do nosso acesso e de nossas visões do espaço social, registrando, assim, um sentimento estético específico (parte de uma compreensão abrangente da educação). Em um momento seguinte, esse material serviu para comparações, pois pedimos posteriormente que os participantes das oficinas de alfabetização mapeassem fotograficamente seu espaço social a partir de seu ponto de vista. O material assim duplicado foi usado para desenvolver especificamente os padrões de papéis sociais e percepção com o objetivo de mudar suas perspectivas:
Os processos educacionais são geralmente projetados em nossa sociedade do ponto de vista da “cultura dominante”. No entanto, o perigo potencial para os jovens abaixo de 25 anos de idade reside precisamente no seu afastamento dessa cultura dominante e sua procura por suas próprias formas de vida – até mesmo em ambientes subculturais. Nestes treinamentos de multiplicadores (instrutores especializados), os participantes poderiam aprender sobre as diferenças entre seus pontos de vista e valores e os de seus participantes educacionais. Lidar com esse tipo de material pode, portanto, contribuir para profissionalizar o pessoal pedagógico.
No entanto, se se quer realizar pesquisas de campo, deve-se primeiro estabelecer contato com os sujeitos.
Graças ao nosso trabalho na escola de jovens adultos, sabíamos que o recrutamento da público-alvo estava associado a grandes problemas. Por exemplo, outro subprojeto da PAGES tratou de barreiras e obstáculos concretos à participação em cursos de alfabetização. Disso emergem, por um lado, barreiras de acesso específicas aos fornecedores e, por outro, permite a identificação de certas estratégias de evasão associadas aos atendidos.
Como o nosso grupo-alvo (jovens com até 25 anos de idade) não estava particularmente representado nos cursos que foram designados pela rede de pesquisa como “grupos a serem estudados”, nosso projeto de pesquisa teve que desenvolver seu próprio caminho. Ao mesmo tempo, isso significou desbravar um novo território e abrir um espaço experimental.
Para isso, selecionamos estrategicamente quatro abordagens, uma das quais é a já mencionada cultura de filmagem, por meio da qual tomamos consciência das tags dentro do espaço social.
Breuer:
A senhora mencionou a constituição de barreiras e obstáculos por parte de cursos formais e não formais de alfabetização, o impedimento institucional a seu acesso e as estratégias de evitamento do público-alvo. Assim, poderíamos argumentar que os conhecimentos institucionalizados, tradicionais e socialmente reconhecidos para a alfabetização e a educação básica (que são codificados e credenciados nos currículos) são pré-requisitos necessários para a participação social das pessoas e, portanto, também de seu público-alvo. Como o grafite e as tags (que foram centro especial de sua atenção) se relacionam com a alfabetização e a educação básica de jovens adultos? E como vocês recrutaram participantes ao seu projeto de pesquisa?
Buchmann:
Em linguagens de marcação como SGML, XML ou HTML, tags se referem às abreviações entre sinais de maior e menor que marcam, por exemplo, elementos de texto (em HTML) ou classificam e estruturam dados (em XML).
No caso do grafite, as tags denotam as assinaturas dos artistas1. Portanto, a tag “All City King” se refere a um artista que, por ter se mantido ativo por toda a cidade, ganhou fama pela presença ubíqua de suas fotos. As tags também podem ser acompanhadas por formas ou símbolos. Os estilos de tags que os jovens desenvolvem para si como expressão de sua singularidade aludem a esse sistema de referência social. Quem quiser ter uma impressão do impacto social dessas tags, pode dar uma olhada no seu impacto na internet.
Nossa equipe de pesquisa mapeou a área social de Chorweiler de acordo com a perspectiva de aglomeração das tags e usou o sistema GPS para filmar e fotografar culturas de inscrição (as chamadas tags) e localizá-las posteriormente. Essas tags funcionam como uma cultura de apropriação escrita do espaço social e fazem referências a seus autores, que nosso processo de pesquisa tem sistematicamente identificado. Isso foi possível porque seus “símbolos” seguiam certas regras quando inseridas no espaço social, marcando assim “o território” e nos permitindo fazer contatos exploratórios. Com essa abordagem metodológica, nosso projeto compilou um grupo total de cerca de 25 sujeitos, que se mantiveram disponíveis para os processos de pesquisa seguintes de maneira relativamente estável.
Após a formação de um primeiro grupo central de oito sujeitos que podíamos abordar acerca de questões de educação básica e alfabetização, contrastou-se o acesso externo socioespacial da “visão do pesquisador” com o acesso individual socioespacial pela já mencionada documentação fotográfica criada pelo grupo de pesquisa e pelos jovens. O objetivo do nosso trabalho com documentação fotográfica foi usar as fotografias para tematizar como os indivíduos se apropriavam ou queriam se apropriar do espaço social. Do ponto de vista didático, tratava-se de desenvolver uma cultura da fala e compreensão antes mesmo de se tratar dos elementos da cultura da escrita.
O método desenvolvido é utilizado para recontextualização e projeção. Os participantes recebem a documentação fotográfica criada pelo grupo de pesquisa e identificam sua localização e layout. Equipados com câmeras, participantes fotografaram as condições desses locais pelo seu ponto de vista. Posteriormente, uma troca ou discurso ocorreu nos respectivos documentos com a intuito de entender e entrelaçar perspectivas, seguida por uma exposição conjunta em Chorweiler.
A justificativa científico-educacional para tal procedimento reside no fato de que o acesso dos sujeitos ao cenário da educação básica pode estar ligado a tarefas de design culturalmente influenciadas (no sentido de Erikson). O desenvolvimento parece primeiro depender de uma permissão à regressão (ou seja, tags de notação em vez da linguagem escrita clássica neste cenário de projeto em particular) e do desenvolvimento da autonomia contra a vergonha e dúvida, bem como de um senso de luta contra sentimentos de inferioridade. O procedimento cria a base (de implementação) para uma perspectiva de mediação profissional.
Como já formulado, os processos educacionais são geralmente projetados em nossa sociedade do ponto de vista da “cultura dominante”. No entanto, o perigo potencial dos jovens com menos de 25 anos reside precisamente em se afastar dessa cultura de dominação e procurar suas próprias formas de vida e expressão – mesmo em ambientes subculturais.
A situação insatisfatória de recrutamento para a equipe de pesquisa permitiu que Chorweiler rastreasse sistematicamente as formas de apropriação escrita desse espaço social. A abordagem teórica e quadro metodológico de referência é a “cultura de filmagem”, conhecida principalmente a partir da tradição de pesquisa das várias subdisciplinas de etnologia e antropologia, que se concentram conscientemente no confronto entre a ‘realidade’ experienciada pelo grupo-alvo e o reflexo (e, portanto, quebra) da realidade da visão dos pesquisadores. “A realidade é algo que não é comunicativamente acessível sem uma forma de mediação, sem uma construção de sua percepção e representação” (Mohn 2002, 68).
Para o trabalho de pesquisa em Chorweiler, a abordagem da reflexão empírica na qual a câmera age como um observador humano estava disponível logo de início. Desta forma, as chamadas “tags” (isto é, as assinaturas dos “artistas”, algumas das quais acompanhadas por símbolos ou formas) receberam destaque. Os estilos de tags que os jovens desenvolvem para si como expressão de sua singularidade remetem a esse sistema de referência social: as tags que podem ser detectadas no espaço social de Chorweiler foram fotografadas, condensadas em livros amostrais e depois isoladas. Os dados de GPS coletados ao mesmo tempo foram utilizados para um mapeamento posterior.
Essas tags – de acordo com nossa suposição – funcionam como uma cultura de apropriação escrita do espaço social e fazem referências a seus autores, que podem ser localizados por meio destas. Isso é possível porque os “símbolos” são colocados na área social de acordo com certas regras e, assim, marcam “o território”.
Para responder à sua pergunta sobre a conexão entre tagging e alfabetização e educação básica de jovens adultos:
A escrita pode ser entendida como alienação (produto) e atividade (processo) humanas. Por meio dessa atividade, os artistas primeiro experienciam a escrita em sua capacidade produtiva (autorreferência/autoria). Além disso, eles fornecem um bem à disposição (produto) com tal atividade (que pode satisfazer suas necessidades). Este produto pode ser usado intersubjetivamente, o que resulta ao mesmo tempo em um duplo reconhecimento, tendo sido significativo não só para si mas para os outros e, ao mesmo tempo, permitindo experimentar a humanidade no uso do produto.
Com a afirmação “Eu não escrevo”, medida pelo referencial “atividade”, há uma autopercepção claramente limitante, ou seja, a separação de uma capacidade produtiva essencial e, portanto, da participação social. A atividade geralmente é explicada por experiências de socialização escolar baseadas em insultos a seus sentimentos.
São precisamente esses insultos que devem ser “desfeitos” já que questionam constantemente sua autoimagem (atribuição e auto-atribuição). O resultado dessa regulação emocional é registrado sociológica e psicanaliticamente como reificação.
A literatura descreve como os cursos clássicos de alfabetização refletem essa percepção básica. Nesse sentido, esses cursos buscam encontrar abordagens para o assunto que reatribuam a “barreira da consciência”. Trata-se , portanto, de uma esfera de produção que entende a aquisição de conhecimento como um processo de desenvolvimento do sujeito.
No entanto, o problema ou risco dessa concepção de acesso e reatribuição reside no fato de que os programas didáticos de iniciação no ato da escrita podem reintroduzir esta reificação. A escolha de procedimentos e métodos, assim como de atos funcionais de escrita (lista de compras, formulários oficiais, amizade por correspondência, mensagens manuscritas para membros da família, aplicações etc.) representam uma atividade reproduzível definida pelos professores a partir deste ponto de vista. Via de regra, estes atos de escrita tratam de simulações da realidade social em que se supõe tanto seu valor como sua possiblidade de servir de exemplo didático. A temática de tais eventos é comprovadamente determinada pelo ambiente (do ponto de vista dos professores); sendo definidos e baseados em uma intenção sintética.
No entanto, a artificialidade, o ambiente inacessível (escolha dos temas) e diretrizes são justamente aqueles fatores que reforçam a reificação por estarem causalmente ligados à produção do insulto vivenciado. Esta é uma explicação teoricamente consistente com as taxas de abandono e absenteísmo.
Para de detectar esses “bloqueios de escrita”, desenvolvemos uma entrevista sensível ao contexto que não consulta especificamente eventos biográficos do curriculum vitae de um participante em uma sequência coerente, mas traça quebras, descontinuidades e mudanças de contexto. A condensação subsequente em figuras significativas na entrevista pode produzir uma tarefa de desenvolvimento e de reatribuição de “barreiras de consciência”. Isso evita explicitamente atos de escrita que estão comprovadamente relacionados ao ambiente e intensificam esta reificação dado sua direta ligação à produção dos insultos experienciados.
As entrevistas fornecem o enquadramento relevante (ou irrelevante) de eventos e experiências de vida em relação a estratégias de enfrentamento. Essas estratégias podem ser substitutivas ou preventivas. Implicações podem ser geradas a partir das quebras, descontinuidades, mudanças de contexto etc. Na entrevista sensível ao contexto, essas implicações estão interligadas em uma figura significativa de tal forma que surge uma tarefa de desenvolvimento no sentido de Havighurst (1963) – um “currículo de projeto de identidade” que pode ser experenciado cognitiva, emocional e socialmente como significativo pela perspectiva do sujeito.
Essas implicações podem ser observadas no nível micro, meso e macro; portanto, como disposição psíquica interna individual; como experiências biográficas no contexto institucional; como ofertas institucionais, correspondências e desencontros e como lógicas constitucionais sociais.
Estas situações motivacionais intrínsecas, constituições espaciais ou virtuais, bem como formas de aquisição de conhecimento, mídia, acoplamentos comunicativos ou formas de experiência alimentam o sistema representativo (individual) de instituições e abordagens relevantes para o mundo da vida e devem, portanto, ser consideradas como dimensões de sensibilidade ao contexto (no espaço social).
Assim, a entrevista sensível ao contexto esclarece a questão de como o espaço social é representado em currículos ou quais interesses, normas, quebras, conhecimentos, conflitos, diferentes perspectivas, mentalidades, padrões de valor prototípicos, pensamento e julgamento, estilos comportamentais e padrões de papéis sociais são expressos pelos sujeitos.
Breuer:
Pensando nisso, não se trata então de elevar o tagging a um novo padrão nos cursos de alfabetização (por exemplo, na escola de jovens adultos), mas sim de chamar a atenção para o fato de que devemos treinar nossa percepção para levar a sério as necessidades subjetivas e os interesses dos alunos e então tomar decisões didáticas significativas para o grupo-alvo. Não é que o tagging foi então seu foco de atenção desde o começo, e sim que vocês só se depararam com o tagging (e, portanto, o grafite) durante o próprio projeto de pesquisa.
Em seu trabalho, vocês falam repetidamente de representações e da conexão entre essência e aparência. O tagging e o grafite configuram expressões em linguagem escrita de sua público-alvo e, portanto, representações para a alfabetização e educação básica dos jovens com menos de 25 anos?
Buchmann:
Além dos métodos e instrumentos mencionados, o resultado central de nosso projeto de pesquisa é desenvolver currículos no campo da estética dos sentidos, no campo específico do domínio e, finalmente, no campo relacionado ao espaço social, ou seja, nossa hipótese assume que as representações (cf. Huisinga/Buchmann 2006) – também se poderia dizer campos de aprendizagem ou projetos de aprendizagem — se encontram nos campos artístico-sensorial-estético e naqueles específicos a uma região ou domínio. Inicialmente, eles servem para fornecer um acesso orientado às necessidades do grupo alvo, usando seus contextos alienados (!) de mundo da vida (interesses artístico-musicais, necessidades de mobilidade, ambições esportivas, etc.) como uma oportunidade para iniciar processos de aprendizagem relacionados que foram sistematicamente codificados de acordo com sua sociedade e região e, em uma etapa posterior, em uma forma curricular específica ao domínio e à profissão (poder-se-ia também dizer classificada ou codificada).
O tagging, portanto, não representa a alfabetização e a educação básica da público-alvo em si, mas um acesso aos jovem que constitui sua forma mundana de alienação linguística em seu mundo da vida. Isso deve ser mostrado a eles: ”Vocês são capazes de se expressar em linguagem escrita mesmo seguindo uma linguagem diferente da “desejada”. O que há nessa “outra” linguagem onde se encontram “intersecções”? No entanto, só se “reconhece” isso se pensarmos a conexão entre essência e aparência. Deste modo, as tags são um fenômeno de estilo geométrico. Entretanto, o estilo geométrico não aparece em sua forma “clássica” nos tags e grafites, mas em obras arquitetônicas e em nosso alfabeto já que nossas letras consistem em uma combinação específica de graus e curvas, ou seja, formas geométricas. Escrever, portanto, nada mais é do que desenhar formas às quais nós atribuímos um significado como sociedade e como indivíduos. Os significados, por sua vez, podem ser bastante diferentes, como você mencionou no início em conexão com a arte de rua em São Paulo; e como prova da justaposição de autopercepção e percepção externa do espaço social por meio da documentação fotográfica no projeto.
Cada estilo gráfico é baseado nos movimentos que o ator realiza e na experiência desses movimentos. Trata-se principalmente do movimento dos olhos, com o qual a visão segue a forma da atividade. Este reconhecimento causa uma replicação da própria atividade ativa e pode, assim, chegar à consciência.
A experiência do movimento pode levar à autoconfiança na concepção da forma, favorecendo a capacidade de reproduzir formas na atividade interna. Neste caso, a atividade interna criadora de forma visa reorganizar ou transformar representações emocionais e protetoras vinculadas. A forma gráfica estabelece uma abordagem rítmica das forças somático-psíquicas da vida (cf. Lisop/Huisinga 2004) em que se equilibram o que foi resolvido e o que está em formação, o que estimula e acalma, o irritante e a contradição,
assim fortalecendo o poder do “ego” entre as tendências constantemente ameaçadoras de esclerotização, tensão, desolação da alma ou apatia no campo da vontade. É precisamente o grupo de referência de jovens abaixo de 25 anos, no qual a força motriz do ego parece estar paralisada, que pode tirar proveito de um caminho de treinamento como esse para obter uma fonte de forças saudáveis, revigorantes e ativadoras da alma.
Como tarefa de desenvolvimento, desenvolvemos e realizamos um workshop de grafite de rap que focava na seguinte questão: Como são constituídas as circunstâncias de produção no HipHop ou em que casos específicos ocorrem atos de design ou escrita que são consideradas típicas do HipHop?
O desenvolvimento de um estilo comum começou por um currículo de alfabetização específico ao sujeito que incluiu etapas de recontextualização do estilo do espaço social [(cultura de filmagem II), conversão do material em gráfico – grafite (estilo comum)], prática de estilo como base para processos de alfabetização e o desenvolvimento posterior para o trabalho textual na escrita hip-hop.
Como conclusão provisória, pode-se afirmar o seguinte acerca das representações curriculares alternativas:
- Não se deve supor que existam estágios universalmente eficazes e homogêneos de desenvolvimento da profissão de escritor – os jovens usam diferentes estratégias em paralelo;
- O uso de sistemas de notação paralela próximos a seu mundo da vida (grafite, ritmo, música etc.) promove a aquisição da escrita.
Para o grupo de jovens com menos de 25 anos de idade, e sob a perspectiva-alvo “Educação básica no contexto da economia e trabalho”, trata-se (também), em última análise, de desenvolver conhecimentos e habilidades específicas de um domínio, os quais – de acordo com nossa teoria – podem ser gerados por meio de abordagens estéticas sensoriais ou específicas à região como uma próxima tarefa de desenvolvimento. Nosso projeto de pesquisa culminou então na fundação de uma oficina de bicicletas orientada às necessidades de mobilidade da público-alvo, que – formalmente falando – reflete a especificidade de seu domínio.
Breuer:
Seu projeto de pesquisa foi financiado para desenvolver um currículo significativo que se concentre na alfabetização e educação básica de jovens adultos. Isso significa que agora todos os participantes com menos de 25 anos de idade dos cursos de alfabetização serão confrontados com tags e grafites?
Buchmann:
Não, certamente não. Mesmo que o tagging tenha sido uma das nossas abordagens para o grupo-alvo, surtindo um efeito que os motivou, construía sentido e contribuiu decisivamente para sua alfabetização e educação básica, todas decisão didática deve, no entanto, coletar, analisar e avaliar os fatores socioespaciais, as necessidades e interesses do grupo-alvo e os objetivos almejados. Diria que não se trata do tagging em si, mas da reivindicação didático-curricular de desenvolver abordagens inovadoras e legitimá-las em relação às nossas participações sociais tradicionais para criar oportunidades em uma sociedade pós-moderna que levem à participação social. Em termos pedagógicos, trata-se de uma coordenação orientada a assuntos com objetivos, conteúdos (educacionais) e procedimentos que estão implicitamente relacionados entre si.
O tagging é, portanto, apenas um exemplo de como os currículos voltados ao significado e à estética podem ser projetados. Afinal, a arte de ensinar é precisamente projetar currículos significativos e orientados para o futuro. Isso se aplica não apenas aos cursos de alfabetização em nosso grupo de jovens adultos mas a todas as instituições educacionais formais e não formais igualmente e em todos os níveis — especialmente às escolas gerais e vocacionais com seus planos anuais didáticos, o molde de programas educacionais e o próprio (avanço do) desenvolvimento das escolas.
Breuer:
Gostaria muito de agradecer os esclarecimentos sobre seu trabalho de pesquisa e por esta entrevista e desejar a você e a todos nós currículos significativos para o futuro de nossa sociedade que interliguem a longo prazo a inovação e a tradição educacionalmente profissionais para garantir nossa existência social e individual a longo prazo através de oportunidades de participação relevantes.
Eu conduzi esta entrevista com a Profa. Dra. Ulrike Buchmann, cientista educacional com foco em educação vocacional e empresarial na Universidade de Siegen.
Estou feliz que vocês tenham seguido nossa discussão e cordialmente os convido a compartilhar seus pensamentos, comentários e ideias conosco. Até lá, fiquem bem.
Referências
1 No original “writern”, a germanização do termo em inglês “writer”, aquele que escreve. (N.T.)